
Ademar Júnior produtor e proprietário da Produtos do Sítio.
Foto: Leda Evangelista
Imagine-se em um momento de felicidade com seus amigos. Vocês resolveram sair para comemorar algo muito importante, logo, escolheram um ótimo restaurante. A noite foi incrível, mas o dia seguinte foi assustador. Dores começaram a tomar conta de seu corpo, você se desespera porque no dia anterior estava muito bem. Depois de tomar uma água e tentar se acalmar, você sente náuseas e uma dor intensa na barriga. Então, você se convence de ir até o hospital. Chegando lá, te dizem que o diagnóstico é de intoxicação alimentar. Com o tratamento correto, logo a sua saúde é restabelecida e tudo parece voltar ao normal. No entanto, precisamos entender que a situação é bem diferente de apenas uma simples intoxicação alimentar.
Ultimamente, têm sido cada vez mais comum casos de intoxicação e, na maioria das vezes, os médicos não conseguem chegar a um veredito sobre o diagnóstico.
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No entanto, em um dos países que mais utilizam agrotóxicos nas lavouras, os diagnósticos de intoxicação alimentar não podem ser resumidos à validade. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), o Brasil se tornou o país que mais utiliza agrotóxicos, superando os Estados Unidos e a China.
De acordo com a pesquisa, realizada em 2021, cerca de 719,5 mil toneladas de venenos foram aplicadas nas lavouras. Isso quer dizer que a cada 10 hectares, são utilizados 10 kg de agrotóxicos. Esses produtos cumprem a sua função de eliminar as pragas e tornar a colheita mais proveitosa, resultando em vendas bem sucedidas. Entretanto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que os agrotóxicos causam 70 mil intoxicações agudas e crônicas por ano e que evoluem para óbito, em países em desenvolvimento. Em outras palavras, por mais que haja sucesso de um lado, o dos resultados da safra, o outro lado, o da população, sofre com as consequências.
A principal delas é na saúde, isso porque a exposição aos agrotóxicos pode causar uma série de doenças, dependendo do produto que foi utilizado, do tempo de exposição e quantidade de produto absorvido pelo organismo. Um levantamento realizado pelo Atlas do Agrotóxico, publicado em 2023, constatou que 285 milhões de pessoas adoecem todos os anos por agrotóxicos. Isso acontece porque a contaminação por esses produtos acontece involuntária, seja no campo, na floresta, por meio dos alimentos ou água potável.
“Provavelmente era um alimento estragado ou fora da validade”, dizem eles.

Produtos disponíveis na feirinha da UFSM-FW. Foto: Leda Evangelista
Mas, afinal, o que são esses tais agrotóxicos? Bom, em uma definição rápida e rasa, eles são produtos químicos sintéticos, utilizados para matar pragas que atingem as plantações e para regular o crescimento da vegetação. Esses produtos são utilizados tanto dentro quanto fora do setor agrícola.
O Brasil é um dos maiores produtores de commodities agrícolas, tanto para exportação, quanto para consumo nacional. A atividade agrícola movimenta o mercado brasileiro, sendo responsável, em 2023, por 49% das exportações do Brasil. Segundo dados do Ministério da Agricultura, no ano passado, foram vendidos U$166,55 bilhões em commodities. Por isso, esses produtos são extremamente valorizados para o agro brasileiro, pois é a partir do uso deles nas lavouras que chegam os resultados.
Nesse sentido, é possível notarmos que os dados apresentados acima mostram que a busca pela alta produtividade tem a finalidade, acima de tudo, fortalecer a máquina econômica estatal. ​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​
O professor e engenheiro florestal Oscar Agustín, especialista em desenvolvimento rural, da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen, conta que a partir do momento em que a agricultura se tornou uma forma de negócio, o objetivo não é mais produzir alimentos e sim gerar lucros. ​​​​​​​​
“Quando [a agricultura] vira negócio, as necessidades, o direito humano fundamental de alimentação fica secundário”, explica.

Oscar Augustín em sua sala. Foto: Leda Evangelista.
Segundo ele, os alimentos se tornam acessíveis para quem tem condições monetárias de compra e, principalmente, de acesso a alimentos de qualidade. Por isso, o uso dos agrotóxicos é de extrema importância para a lógica do agronegócio.​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​
Professor Óscar explica os processos historicos e uso de agrotoxicos. Video: Emanuel Santos e Lede Evangelista
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Ainda em 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a ANVISA, constatou que, mesmo com a intervenção regulamentadora do estado brasileiro, um em cada quatro alimentos de origem vegetal apresentam resíduos de agrotóxicos, de produtos irregulares ou em índices superiores aos permitidos por lei. Acontece que, segundo este mesmo levantamento da Agência, tais resíduos eram de produtos que apresentavam danos à saúde se consumidos, por exemplo, em uma mesma refeição.
Ao pensarmos em uso por região do país, de acordo com dados recolhidos em 2022 da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), a aplicação de agrotóxicos varia muito. Na região Sudeste a porcentagem de consumo era de 38%, na Sul 31% e na Centro-Oeste 23%. A região Nordeste apresentou 6% e a Norte 1%. Naquele ano, os estados que mais se destacam quanto à utilização de agrotóxicos são: São Paulo (25%), Paraná (16%), Minas Gerais (12%), Rio Grande do Sul (12%), Mato Grosso (9%), Goiás (8%) e Mato Grosso do Sul (5%). Em comparação com o ano de 2023, a taxa de aprovação desses produtos pelo estado brasileiro apresentou uma queda de 15%. Mesmo assim, o uso de agrotóxicos não decaiu, pelo contrário, seguiu firme e forte. ​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​
Não é muito comum que haja grandes plantações em zonas urbanas, por isso, os altos índices de uso de agrotóxicos se centralizam nas zonas rurais das grandes cidades. Agustín destaca que o contato das pessoas que moram nessas zonas com esses produtos é maior e merece ainda mais atenção, pois elas são mais vulneráveis. Essa vulnerabilidade, segundo o engenheiro, pode desencadear problemas mais sérios à saúde. ​​​​​​​​​
“Nos encontramos em um túnel de produtos químicos e talvez um desses entre vários fatores [...] Estudos comprovam que pessoas que vivem em áreas com uso mais intensivo de agrotóxicos apresentam alguns problemas”, pontua.

Propriedade de suinocultura. Foto: Leda Evangelista
No entanto, não é somente nos alimentos que encontramos esses produtos prejudiciais à saúde, uma vez que eles também podem estar presentes na água. Um levantamento realizado pelo Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), vinculado ao Ministério da Saúde, constatou que 27 tipos de agrotóxicos foram detectados na água de mais de 2.300 cidades brasileiras. Entre as principais descobertas deste levantamento mostraram que o uso contínuo de substâncias proibidas por lei, como o aldrin, banido há décadas, ainda aparecem em análises de água devido à persistência ambiental e possível contrabando.
O uso extensivo de agrotóxicos na agricultura brasileira tem gerado preocupações significativas devido aos impactos negativos no meio ambiente. Agustín sinaliza que, atualmente, vivemos em um mundo que é rodeado por produtos químicos e que estamos caminhando para um cenário que pode ser irreversível. Portanto, esses produtos afetam todo o espaço no qual são despejados, contaminando solos, corpos d'água, ar e até mesmo espécies selvagens. Esse cenário compromete o equilíbrio ecológico e a saúde de ecossistemas inteiros. Entre os problemas causados pelos agrotóxicos, podemos citar:
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A contaminação do solo e da água: os resíduos químicos se infiltram no solo e alteram sua microbiota, de forma a reduzir a fertilidade;
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Impactos na fauna e na flora aquática: os resíduos se acumulam em rios e lagos, prejudicando a vida de peixes, anfíbios e plantas aquáticas;
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Perda da biodiversidade: a exposição afeta insetos polinizadores, como as abelhas, essenciais para a agricultura e manutenção dos ecossistemas;
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Problemas de saúde: o acúmulo de resíduos químicos a longo prazo podem causar tumores, intoxicações e doenças genéticas.
Ao tratarmos de contaminação do solo e da água, o especialista pontua que não existem dados que comprovem a contaminação da água, o que a tornaria imprópria para consumo. No entanto, vemos que os agrotóxicos dissipados pelo ar nas lavouras penetram no solo e se instalam nos lençóis freáticos, de modo que chegam até os alimentos pelo próprio solo.
“Quando chove, os compostos químicos são liberados, se arrastam e se unem à matéria orgânica, e isso na água, nos alimentos que a gente consome, vai se incrustar na matéria orgânica”, explica.
Augustin fala sobre a contaminação da água. Video: Emanuel Santos e Leda Evangelista

Gado solto no pasto. Foto: Leda Evangelista
Para tentar ajudar na solução dessas questões, em dezembro de 2023, o governo brasileiro, por meio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei nº 14.785, que atualiza a legislação brasileira sobre agrotóxicos, substituindo as normas em vigor desde 1989. O objetivo da lei é modernizar os procedimentos de registro, fiscalização e controle desses produtos, visando equilibrar os interesses produtivos do agronegócio, da saúde pública e da proteção ambiental. Principais mudanças:
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Registro e fiscalização: A lei estabelece prazos mais curtos para análise de pedidos de registro, como 24 meses para novos produtos técnicos e 12 meses para produtos formulados. Isso pode acelerar aprovações, mas levanta preocupações quanto à qualidade das análises.
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Proibição por riscos: Agora, o registro é vetado apenas para produtos que apresentem “risco inaceitável” à saúde humana ou ao meio ambiente, substituindo critérios anteriores mais restritivos, como substâncias comprovadamente cancerígenas e mutagênicas.
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Multas mais severas: Infrações ambientais e sanitárias podem gerar multas que variam de R$2.000 a R$2 milhões, dependendo da gravidade.
No entanto, especialistas discordam sobre os potenciais efeitos da lei. Aqueles que a defendem argumentam que a desburocratização do setor agrícola é um avanço necessário, e os que são contra temem que essa flexibilização comprometa a saúde pública. Essa legislação reflete o embate entre a expansão do agronegócio e a necessidade de considerar interesses sociais e ambientais.
Apostar na agricultura familiar é uma forma de incentivar que o direito à alimentação de qualidade seja minimamente assegurado. Para que isso aconteça, o apoio do governo, federal ou estadual, é fundamental para que o pequeno produtor possa continuar com a produção.
Apostar na agricultura familiar é uma forma de incentivar que o direito à alimentação de qualidade seja minimamente assegurado. Para que isso aconteça, o apoio do governo, federal ou estadual, é fundamental para que o pequeno produtor possa continuar com a produção. A instituição Emater, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, trabalha junto aos produtores da cidade de Frederico Westphalen, oferecendo suporte técnico, de modo a levar uma perspectiva especializada a eles. Mateus Stefanello, Engenheiro Agrônomo da Emater Municipal, conta que um dos objetivos é ajudar a tornar o processo do cultivo mais sustentável e limpo e que, pensando nisso, o trabalho de assessoramento aos pequenos produtores, em parceria com as cooperativas de crédito, é uma forma de contribuir para formas de produção sustentáveis.
“Nós prestamos esse trabalho junto aos pequenos produtores do município para ajudar eles a ter essa produção mais técnica, mas também sustentável, para eles e para o meio ambiente. É o nosso compromisso”, conta.

Mudas de verduras e hortaliças. Foto: Leda Evangelista
A solução para esse problema não é óbvia e nem vai ser encontrada do dia para a noite. No entanto, existem formas de ajudar a reduzir o impacto negativo desses produtos na saúde das pessoas e no meio ambiente. Uma das alternativas mais acessíveis é apoiar e fortalecer a agricultura familiar.
Em outubro deste ano, visitamos uma propriedade rural de Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul, de pequenos agricultores. O “Produtos do Sítio” são produtos produzidos de forma sustentável, em pequena escala, de modo que se pode ter um controle de qualidade maior e mais cuidadoso. Ademar Azevedo do Prado Junior, 28 anos, é um dos agricultores da propriedade, ele conta que começaram a produção dos alimentos há 8 anos, com o cultivo de morangos. Ao longo do tempo, eles foram diversificando o plantio.
O motivo pelo qual eles começaram a fabricar produtos artesanais e a realizar o plantio de alimentos orgânicos foi a busca por uma alimentação mais saudável. O agricultor destaca que, em sua opinião, depois da pandemia de Covid-19, as pessoas começaram a tomar mais cuidados em relação à saúde e isso inclui a alimentação.
“Hoje a gente sabe que existe uma crescente na questão do consumo de alimentos orgânicos, sabemos que há uma preocupação maior com uma alimentação mais saudável”, conta Ademar.

Proprietários da Produtos do Sitio, Ademar, Marlei, Ademar Junior e Maiara. Foto: Leda Evangelista
Para ele, essa atividade é muito mais que apenas produzir alimentos, é um propósito que eles acreditam e querem continuar fazendo
Ademar Junior conta sobre o começo e melhorias na Produtos do Sitio. Video: Emanuel Santos e Leda Evangelista
No começo da empreitada, Ademar relembra que o empreendimento atendia por delivery e que as vendas online aumentaram exponencialmente durante a pandemia. Uma das alternativas que os ajudaram a crescer foi o uso de canais de comunicação, como as redes sociais, e pela iniciativa de levar alimentos orgânicos para feirinhas, como na Feirinha semanal, promovida pela UFSM/FW. Logo, a rede de contatos do Produto do Sítio aumentou e, com isso, os produtos começaram a ser comercializados em nos mercados da cidade. Uma forma encontrada pelos produtores de marcar a produção sustentável foi a rotulação dos produtos, para identificar os alimentos que são produzidos de uma forma sustentável.

Área de plantação de morangos da Produtos do Sítio. Foto: Leda Evangelista
Essa alternativa, de produção artesanal do substrato, é uma forma de evitar que haja resíduos químicos que possam prejudicar o consumidor final. O uso de substratos naturais na produção agrícola oferece diversos benefícios relacionados à sustentabilidade, eficiência de recursos e qualidade do cultivo.
O diferencial desses produtos está na forma de produção dos alimentos. O agricultor conta que a produção é orgânica desde o uso dos substratos e da preparação da terra. Os substratos são produzidos pelos produtores.
“É uma receita nossa, que a gente vem elaborando e construindo ao longo dos anos, vem melhorando e então hoje podemos dizer que 80% do substrato está dentro das nossas expectativas”, explica.
Ademar explica sobre os preços dos produtos.
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Outro exemplo de que podemos encontrar sustentabilidade entre os produtores é o de Aquiles Padilha, que é agricultor e suinocultor. Padilha trabalha com sua família, que é composta por sua esposa, seu filho e suas duas filhas, na criação de suínos, frangos e gado, em parceria com a empresa JBS Frigoríficos. O agricultor conta que conquistou sua, há 14 anos, com muito trabalho e que aos poucos foi adquirindo mais hectares de terra. Já havia uma granja no lugar, que estava desativada.
Ele conta que investiram para que ela fosse reativada, projeto que deu certo.
Para tratar dos suínos, Padilha conta que há um tratamento cuidadoso com relação aos animais. Segundo ele, as pessoas que lidam com os porcos realizam alguns cuidados para entrar em contato com eles, como tomar banho e trocar de roupa antes de entrar na granja e desinfetar o espaço.
O suinocultor também conta que eles realizam um processo de adubação natural, que é convertido para alimentação dos próprios suínos.

Aquiles Padilha junto ao seus cães abaixo de uma árvore. Foto: Leda Evangelista
Aquiles explica sobre o uso de adubo nas lavouras. Video: Leda Evangelista
O processo realizado por Espadilha consiste, resumidamente, em recolher os excrementos dos porcos e levar à esterqueira. Após 90 dias, o material orgânico é usado de adubo para o milho, que é o alimento final dos porcos. Esse processo, realizado da forma correta, não oferece riscos ao meio ambiente e se torna uma forma sustentável de criar animais, que podem prejudicar a saúde das pessoas se não forem realizados do jeito ideal. Ele também conta que essa forma de adubação é feita por eles de forma legal, uma vez que, para se ter suínos, é necessário que não haja nenhuma nascente ou rio próximo à criação. Neste caso, Espadilha recebe orientações técnicas da empresa para a qual presta seus serviços e para a FEPAM.